A quarta a entrar


Conto e fábula são os meu gêneros literários favoritos. O gosto nasceu quando eu ainda era bem pequeno e se tornou paixão no fim da minha adolescência, quando consegui meu primeiro emprego em uma biblioteca. Na época, ganhei uma coletânea de livros sobre contos e fábulas de todos os cantos do mundo. Não preciso dizer que devorei tudo, não é mesmo?

Passados alguns anos, em 2014, exatamente, soube que meu vizinho abrira um sebo e fui logo conhecer. Lá eu encontrei um livro de contos irlandeses, comprei, e passei a lê-lo nos meus intervalos da faculdade. Dentre tantos, encontrei um conto que chamado "As Mulheres de Chifres". Gostei tanto que decidi fazer uma ilustração. Na época, este era o meu projeto mais ambicioso e me empenhei por alguns meses. Nunca tive muita pressa para terminar minhas pinturas, mas essa eu acabei abandonando. Eu não tinha muita noção sobre técnicas e acabei criando processos complicados que não me levaram a lugar algum. Não sabia como termina-lo, então o guardei inacabado.

Há algumas semanas atrás, vasculhando meus arquivos, encontrei este velho trabalho e achei pertinente finaliza-lo. Acabei refazendo quase tudo e fiquei bem contente com o resultado. 

Sobre o conto, caso tenham interesse em conhece-lo:

As Mulheres de Chifres 
Uma rica mulher estava sentada, tarde da noite, cardando e preparando a lã, enquanto toda a família e os criados dormiam. Subitamente ouviu uma batida na porta, e voz chamou: 
“Abra! Abra!” “Quem está aí?”, disse a dona da casa. 
“Eu sou a Feiticeira de um Chifre”, foi a resposta. 
A mulher, supondo tratar-se de alguma vizinha pedindo ajuda, abriu a porta e uma mulher entrou, levando nas mãos um par de cardadores, e tendo na testa um chifre, como que nascido ali. Sentou-se em silêncio junto ao fogo e começou a cardar a lã com violenta pressa. Subitamente ela parou, e disse em voz alta: “Onde estão as mulheres? Estão demorando muito.” 
Então se ouviu uma segunda batida na porta, e uma voz chamou, como antes: ”Abra! Abra!” 
A dona da casa sentiu-se obrigada a se levantar e abrir a porta. Imediatamente outra feiticeira entrou, com dois chifres na testa e uma roca de fiar lã nas mãos. “Dê-me um lugar para sentar”, disse ela, “eu sou a feiticeira dos dois chifres”, e começou a fiar veloz como um raio. E assim as batidas na porta prosseguiram, as chamadas eram ouvidas, e as feiticeiras iam entrando, até que finalmente havia doze mulheres sentadas ao redor do fogo, a primeira com um chifre e a última com doze.
E elas cardaram o fio, e giraram suas rocas de fiar, e tricotaram e teceram, todas cantando juntas uma antiga canção, mas não dirigiram uma única palavra a dona da casa. Era estranho de se ouvir e assustador de se ver essas doze mulheres, com seus chifres e suas rocas; e a dona da casa quase desmaiou; tentou levantar-se para chamar ajuda, mas não conseguiu mover-se nem pronunciar uma palavra, nem mesmo gritar, pois as feiticeiras haviam-na enfeitiçado. Então uma delas a chamou em irlandês e disse: “Levante-se mulher, e faça um bolo para nós. ” 
A dona da casa foi pegar uma vasilha para trazer água do poço e mistura-la a farinha, para fazer o bolo, mas não conseguiu encontrar nenhuma. Então elas disseram a ela: “Pegue uma peneira e traga a água dentro dela.” 
Ela pegou a peneira e foi até o poço, mas a água passava pelos furos da peneira e assim a mulher não conseguiu pegar nem um pouco para fazer o bolo então sentou-se junto ao poço e chorou. Subitamente ouviu uma voz perto dela que disse: “Pegue argila ocre e musgo, misture-os e forre a peneira com a pasta, assim ela vai segurar a água dentro dela.”
Foi o que a mulher fez, e a peneira segurou a água para o bolo, e a voz disse novamente:
“Volta para casa, e quando chegar ao canto norte, grite alto três vezes dizendo: “A Montanha das Mulheres Fenianas e o céu sobre elas estão Pegando fogo! “
Foi o que ela fez. Quando as feiticeiras lá dentro ouviram o chamado, um grito enorme e terrível irrompeu de seus lábios e elas correram para fora soltando gritos estridentes e lamentos, e fugiram para Slievenamon, sua morada primordial. Mas o Espírito do Poço pediu a dona da casa que entrasse e preparasse a casa contra os feitiços das bruxas, caso elas voltassem. 
Primeiro, para romper os encantamentos, ela borrifou a agua na qual lavara os pés de seu filho, a “água do lava-pés”, do lado de fora da porta, na soleira; depois, pegou o bolo que as feiticeiras haviam feito em sua ausência, de farinha misturada ao sangue sugado da família adormecida, cortou-o em pedaços, colocou um pedaço na boca de cada um dos adormecidos, e eles recuperaram a saúde. Então pegou o pano que haviam tecido e colocou metade fora e metade dentro do baú fechado com cadeado, e finalmente travou a porta com uma grande tramela presa aos batentes, para que as bruxas não pudessem entrar, e, ao terminar de fazer essas coisas todas, ficou aguardando. 
Não demorou muito para que as feiticeiras voltassem, com muita raiva e clamando por vingança.
“Abra! Abra! ”, gritaram, “abra, água do lava-pés!” “Não posso”, disse a agua de lava-pés, “estou toda esparramada pelo chão, e minha trajetória vai até o lago. ” 
“Abram, abram, madeira, árvores e tramela”, gritaram elas para a porta. 
“Não posso”, disse a porta, ‘a tramela esta pregada nos batentes e não tenho força para movê-la” 
“Abra, abra, bolo que fizemos e que misturamos com sangue“, gritaram elas de novo.
“Não posso”, disse o bolo, “estou quebrado e macerado‘ e meu sangue está nos lábios das crianças adormecidas.” 
Então as feiticeiras voaram pelos ares dando gritos estridentes, e fugiram para Slievenamon, lançando estranhas maldições ao Espírito do Poço que desejara a sua destruição. A mulher e a casa foram deixadas em paz, e um xale perdido por uma das feiticeiras em sua fuga foi guardado pela dona da casa como lembrança daquela noite; esse xale permaneceu na mesma família, passando de geração em geração, durante mais de quinhentos anos.

JACOBS, Joseph. Contos de fadas celtas. São Paulo: Landy, 2003. 
 

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O autor


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