Durante aquele dia e nos que se seguiram, a dama esperou por ela, tocando sua doce música. mas a garça não voltou. E o canto esquerdo do leque continuou vazio, sem que sequer uma marca desbotada lembrasse a antiga presença.
Mais tempo se foi, lentamente. Sozinha, agora, a garça do lago não tinha mais razão para continuar ali, com a perna mergulhada na água. E numa tarde quente em que a concubina se abanava com preguiça, a garça esticou enfim a outra perna, ondulou o pescoço, desdobrando as asas que desde sempre haviam permanecido fechadas. Como uma carola tocada pelo vento, estremeceram as pernas brancas. E a garça abriu seu voo, abandonando o leque.
Sem um gesto, a dama viu partir a última amiga. Não chorou, porque lágrimas não são permitidas em leques de papel. Mas as mãos pálidas pararam de tanger as cordas. E o instrumento sobre o seu colo emudeceu.
Muitos e muitos anos de silêncio passaram depois disso. Muitas e muitas pessoas possuíram o leque.
até que um dia, vasculhando na barraca de um antiquário de feira, um jovem artista o viu, aberto entre as quinquilharias. E sua atenção foi atraída pela antiga delicadeza da dama de quimono. Faltava alguma coisa, talvez no desenho da paisagem, o papel estava maltratado. Mas eram tão leves as mãos sobre o instrumento, tão elegante as pregas do quimono, que lhe pareceu um lindo presente para dar à sua amada.
Em casa, limpas as varetas, consertado o papel com pouca cola, o artista sentiu o desejo de acrescentar alguma coisa ao presente, enriquecê-lo com seu amor e seu talento. Pegou a caixa de tintas, debruçou-se sobre o leque, e com cuidado, aproveitando o espaço vazio no lado esquerdo, pintou uma garça colhida em pleno voo, asas abertas. Porém, ocupado com todo aquele canto, algo ficava faltando do outro lado, mais próximo da dama. Mergulhou o pincel na tinta branca, tocou de leve a ponta em cor-de-rosa. E logo outra garça surgiu, asas fechadas, a perna de coral metida na água do lago.
E havia ficado tão lindo que ela não quis guarda-lo fechado na gaveta. Cuidando de não ferir o papel, prendeu-o aberto na parede diante de sua cama.
Aquela noite, ainda olhou com encantamento antes de dormir. Depois apagou a luz e fechou os olhos.
Dorme a dona do leque, dorme a casa. Mas na superfície de papel um vulcão fumega, enquanto uma dama de quimono toca para suas garças a suavíssima música de um instrumento de cordas.
( 'A dama do leque', Marina Colasanti, 'Entre a Espada e a Rosa')
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