Sobre Ir Embora


Às vezes, tenho vontade de ir embora. Ir embora da minha casa, da minha janela que não abre direito, das teias de aranha que se formam entre os objetos da prateleira que não tenho tempo - nem vontade - de limpar. Ir embora do meu trabalho, das rodas de fofoca e debates sobre política ignorante. Ir embora da minha cidade, deste planeta. Ir embora deste corpo e dessas roupas que tanto me apertam. Ir embora desta incapacidade de concluir projetos, desta autocrítica que me mutila, desta vontade de realizar coisas, mas não conseguir fazer nada, Ás vezes, simplesmente tenho vontade de ir... certas coisas, entretanto, acabam me impedindo, como a sensação volúvel e incapacitante de desejar ir, e ao mesmo tempo, querer ficar. Porém, me arrisco à dizer que enfim compreendi a importância de se ir embora e o quão libertador isso pode ser, afinal de contas, não é sobre abandonar pessoas e problemas, "sair à francesa", que estamos falando, mas sobre continuar seguindo.

Quando vejo que uma situação chegou ao seu esgotamento e mais nada pode ser aproveitado, sinto que tenho que ir embora. Quando percebo que, quando estou em casa, não estou em casa, tenho que ir embora. Quando olho para minha mesa e vejo tantos textos, desenhos e trabalhos inacabados. tenho que ir embora. Quando penso em mim mesmo, no meu futuro, nas coisas que ainda quero experimentar, tenho que ir embora. Concordo com aquela analogia cafona que diz que as pessoas são como pássaros. Sou como uma ave migratória, e quando vejo que um ciclo chegou ao fim, preciso ir embora. Quando o frio chega e água do lago congela, preciso voar e encontrar calor para continuar vivendo.

Vejo minha mãe, passou sua vida envolta num manto pesado de compunção, dedicando-a a cuidar da mãe, a um remorso dubitável, ao medo do sentimento cortante de não ter servido ou demonstrado amor o suficiente quando ela estiver morta, de um modo excessivamente servil e quase patológico. Eu amo os pais, o irmão, os amigos que tenho, mas não quero dar minha vida à eles e fazer como minha mãe. Eu quero vive-la, e agora, mais do que nunca, eu quero ir, porque compreendi a importância de se ir embora. Compreendi que não posso viver pelos outros, e que quando eu tiver ido, todos continuarão vivendo. Mesmo que a dor da saudade ainda exista, ninguém é tão importante que não possa ser substituído, ou que impeça os outros de prosseguir. A vida continuará seguindo, e ninguém precisará de mim para continuar vivendo.

Não quero planejar uma vida baseada em não sentir remorso por não ter feito o suficiente quando as pessoas que eu amo forem embora. Eu amo minha mãe e cuidarei dela o quanto me for possível, mas me nego a dedicar meus dias ao propósito que ela dedicou aos dela. Algumas vezes, olhando para minha avó, notei a percepção impregnada de pesar que tem de si mesma em relação aos filhos. "Eu sou como uma gaiola para vocês". Quando olhar para aqueles que amo, não quero ver gaiolas, da mesma forma que não quero que vejam gaiolas em mim. Eu quero ir embora, e quero que todos vão embora também, porque é assim que a vida se faz. Um longo e complexo exercício de ir embora.

Depois de tantos meses, é um pouco estranho voltar aqui e falar sobre ir embora. Geralmente, o que se espera do autor de um blog insurgente, é o clássico discurso de se estar voltando. Eu só quero ir embora. E voltando à analogia dos pássaros - só pode encontrar um novo lago, se aquele que está congelado for deixado para trás. Para que se possa experimentar coisas novas, é importante que outras fiquem para trás. É importante que se vá embora.

Texto base: http://antonianodiva.com.br/efemerides/e-preciso-ir-embora/

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